Foram dois dias caminhando pelos corredores de uma das áreas de exposição do Centro de Convenções Frei Caneca, na região central de São Paulo (SP) para ver o que de manutenção está sendo feito na aviação brasileira. O evento deu uma encolhida, neste ano foram 43 expositores e 3.300 inscritos. Já teve edição com 60 expositores. Alguns como a Azul Conecta ou a Cruzeiro do Sul não repetiram a participação. Segundo Décio Corrêa, da Delta Fox, a organizadora do evento, o momento da manutenção no Brasil, em alta com muito serviço nas oficinas, fez com que algumas empresas não fossem ao seu evento expor seus serviços por já quase não dar conta da grande demanda gerada pelo mercado. A entrada nesta edição foi gratuita na tentativa de atrair maior público. A mecânica foi um pouco diferente, a maior movimentação foi na parte da tarde e não de noite como era de se esperar. Logo após às 19h00 houve um esvaziamento dos corredores.

Se teve gente que não repetiu a participação, houve quem batesse ponto como a Thales. O diretor Wellington Rodrigues tinha algumas novidades na manga como a expansão do seu centro de serviços e manutenção de aviônicos inaugurado em 2021 em São Bernardo do Campo, região metropolitana da capital paulista. Lá se eles tinham uma estrutura mais voltada para o setor de asa fixa, em especial de aeronaves Airbus, Boeing e Embraer da linha aérea, agora na segunda etapa, o foco paira nas asas rotativas tanto faz de uso civil como o militar ou parapúblico. Inicialmente os modelos atendidos são de helicópteros com suíte de aviônicos Thales como os da linha Airbus/Helibras e eles estão terminando os processos de certificação que deve sair no primeiro trimestre de 2025. A diferença está no atendimento, que antes, se era feito aqui, o serviço acabava sendo realizado nos Estados Unidos, França ou Cingapura. Agora existe a facilidade do suporte feito localmente. O fato de trabalhar com um centro de serviço de fábrica traz uma vantagem que ele será feito sempre com equipe com formação original e nos trabalhos, além da manutenção em si, sempre haverá a atenção mais direta em programas de atualizações. Foi feito um investimento em duas bancadas de testes com equipamentos de ponta, transferindo tecnologia para o Brasil e só de treinamento, sua mão de obra passou por 600h em cursos. Com a manutenção sendo feita localmente, há a redução na pegada de carbono, boa parte em função dos processo de logística mais curtos. Existe uma economia dentro da cadeia de reparos. Considerando a manutenção de um aviônico de cliente próximo, isso se traduz em traslados de equipamento em algumas horas, ou de um ou dois dias levando em conta alguma localidade fora do estado de São Paulo. Se o equipamento fosse enviado ao exterior, os processos de envio levam de 10 a 20 dias e os de retorno outros 10 a 20 dias. Isso significa numa redução de 60 a 80% no tempo total para a reparação. Esse fator também acarreta numa diminuição da necessidade do cliente ter um caro valor estocado para ser usado enquanto que o outro equipamento está em manutenção. A Thales deve estudar também se ingressa no atendimento de outras marcas de aviônicos, com a os da linha Garmin. Mas de cara, outra ambição é a de atender outros mercado da América Latina, estão prospectando clientes no Chile, Colômbia, Panamá.

Outra empresa que aumentou os investimentos no Brasil foi a alemã MTU que tem uma unidade em Cotia (SP) e que além da aviação atende mercados como a de geradores navais ou de plataformas de petróleo. Segundo Rodrigo Brandão, eles começam a fazer procedimentos de inspeção usando boroscópio e mais recentemente eles foram capacitados em fazer a troca das High Pressure Turbines Blade , ou traduzindo, das palhetas das turbinas de alta pressão de motores CFM56-7 usados nos Boeing 737NG. A proposta é ampliar o atendimento para clientes de toda a América Latina. Eles também tem equipes que podem dar suporte às companhias aéreas, por exemplo, para fazer trabalhos em cima do GE90 usado nos Boeing 777 como os da Latam. Desde 2019 eles estão se capacitando em fazer inspeções nível 1, o que significa deles poderem fazer atendimentos básicos antes do envio dos motores para a manutenção nas oficinas grandes na Alemanha economizando tempo.

Na ATM, a Thais Fernandes nos explicou que eles tem duas unidades no Mato Grosso do Sul, um no aeroporto internacional de Campo Grande e outra no aeroporto regional Santa Maria. Um braço de atuação deles é a de manutenção pura mesmo, o fornecimento de peças, que podem ser dentro da opção de aluguel para manter a aeronave voando enquanto é esperada a finalização do reparo da unidade do cliente. Mas o que chamou a atenção é que eles fazem serviços de interior de cabines e mais que isso, eles são certificados para fazer testes e laudos de inflamabilidade de materiais usados nas configurações. A ATM mantém um grande contrato para manutenção de 13 Embraer Brasília, 23 ERJ135/145 e 25 Cessna Caravan da FAB. Eles fazem todo o suporte logístico, com dimensionamento de suprimentos e giro de materiais para a manutenção dessas aeronaves para que eles sempre possam manter um grau alto de disponibilidade. Para os trabalhos de interior eles também prestam serviços para a FAB mas atendem muitos clientes regionais do centro-oeste. Para esses estão entregando um padrão mais elevado, sempre com materiais importados, tanto faz se o serviço é feito num bimotor leve ou um jato executivo.

Desde 2013 quando a ATM começou a fazer os serviços em interiores, segundo Thais, o cliente se antes achava que era um gasto elevado, com o passar do tempo ele foi assimilando o valor que existe em investir num serviço com materiais de melhor qualidade e certificados. Um ERJ135 feito por eles foi reformado para justamente ganhasse melhor valor na venda. Eles estão investindo no aeroporto Santa Maria numa nova área de 400m2 só para atender a parte de tapeçaria e outra de 200m2 para o setor de aplicação de resinas e trabalhos com madeira. Tudo para ser aberto até janeiro de 2025. Para a Thais, o diferencial da ATM é de não abrir mão do uso de material de qualidade superior. O couro dos interiores foi buscado no sul da Alemanha e que recebeu o tratamento na Itália. Para ela ainda não existem fornecedores no Brasil entregando matéria prima na qualidade que eles trabalham. Os próprios materiais sintéticos, que podem ser até mais verdes, ter um toque semelhante, porém tem menor durabilidade o que acaba no final das contas comprometendo o seu fator de sustentabilidade.

A JCranes estava chamando a atenção por oferecer o Avic Y12E, um avião chinês asa alta, turboélice de múltipla função que se assemelha muito ao Cessna Skycourier pelo porte e proposta de uso. A JCranes já havia aparecido na Labace em 2018, de lá para cá a empresa conseguiu a certificação do Y12E junto à Anac em 1º de agosto de 2024. O avião, motorizado com um par de Pratt & Whitney PT6A-135 de 750shp tem capacidade de transportar dois pilotos mais 17 passageiros, vem com banheiro e pode ser configurado totalmente para transporte de carga ou misto carga-passageiro. Existe até containers específicos para serem transportados a bordo. O seu peso máximo de decolagem é de 5.670kg, o alcance pode chegar a 1.340km e no peso máximo pode chegar a 382km. Também pode ser uma plataforma para missões de evacuação médica, lançamento de paraquedistas ou mesmo configurado em padrão executivo. A JCrane diz que o preço do Y12E colocado aqui de US$ 4,6 a 5 milhões. É no mínimo US$ 3,5 milhões mais em conta que o Cessna Skycourier. É preciso ver se o cliente vá preferir comprar mais barato ou se inclinará a adquirir um equipamento de um fabricante mais tradicional, pelo menos aqui no Brasil.

A Arotec são representantes da Evidente que tem equipamentos para inspeção não destrutivos e dentro desse leque estão os equipamentos de boroscopia, os de ultrassom. E que inclui os equipamentos de inspeção de espessura, os de detecção de falhas e de presença de parasitas. Um analisador de liga por raio X e no segmento de inspeção por exames destrutivo a Arotec representa a dinamarquesa Struers além de ter uma linha de equipamentos próprios de máquinas de preparação metalográfica. Os produtos deles não são específicas de aviação, acabam sendo usados para a indústria geral como a de óleo e gás, alimentícia, farmacêutica, química, automotiva e até de papel e celulose. Especificamente na aviação os seus clientes são fabricantes como a Embraer, Pratt&Whitney, GE ou os centros de serviço de manutenção.

Da edição anterior para a de 2024 a XPD trouxe soluções para o atendimento imediato no transporte de cargas urgentes, ou seja, um mercado muito sensível pois envolve a disponibilização de forma rápida de algum equipamento que fará uma aeronave voltar a voar. O atendimento deles visa tirar a aeronave de algum cheque inesperado até numa localidade fora de sua base normal. Eles fretam aeronaves para fazer o atendimento, com direito ao transporte de um técnico e mantém uma central ativa 24h por todos os dias pra coordenar as demandas, que para eles sempre estarão na urgência. Um caso extremos mais recente foi o de conseguir em 48h em Toulouse, na França um par de GE CF34 que teriam que ser instalados em um dos Embraer E-Jet da Azul aqui no Brasil.

A MRO serviu também para a prospecção de empresas estrangeiras. A marroquina UNO Aviation participou da feira para conhecer o mercado. A partir da África ele comercializam peças e partes de aeronaves, executam serviços de logística e tem estrutura de estoque de suprimento e até de leasing de aeronaves.

A organização do evento já anuncia a edição para 2025, ocasião para que o setor exponha seus produtos e serviços para o mercado. Eles terão uma concorrência da Labace, que acontece numa pequena diferença de datas, mas se é bem mais cara de participar, no ano que vem, pela novidade de acontecer no Campo de Marte, pode ser motivo para que a empresa do setor opte pela exposição no evento maior. Uma desvantagem é que inserido numa feira com tantas atrações de grande porte como os jatos executivos, aconteça um menor interesse do visitante em parar num estande para ver algum fornecimento de peça ou parte de aeronave.