Instrumentos para Marte
Modo de proceder
Pouco antes do final de 2024 a Abag – Associação Brasileira de Aviação Geral soltou um comunicado que dizia que o Comaer – Comando da Aeronáutica deu um parecer desfavorável na instalação de procedimentos IFR no Campo de Marte (SP). Ducha de água fria nas pretensões da Abag em realizar a Labace naquele aeroporto a partir deste ano de 2025. No ofício a Abag mostrava que a falta do procedimento inviabilizaria a execução do evento no aeroporto paulistano. A aposta ali é grande depois que foi preciso abandonar o espaço que utilizado anteriormente em Congonhas em função das obras de ampliação e reformulação de terminais que já estão em andamento pela concessionária Aena. Nos planos da Abag, a Labace no Campo de Marte teria como trunfos além de um melhor espaço de pátio, a possibilidade de visitantes chegarem com as suas aeronaves (o que seria impossível em Congonhas pela falta de janelas operacionais, pelas restrições de uso da pista principal por aeronaves de menor porte e a proibição de operar naquele aeroporto de aviões com apenas um piloto) e dos expositores fazerem voos de demonstração com clientes. Sem o IFR, haveria maior possibilidade de comprometer as operações durante o evento. Para os expositores, em caso de mau tempo, a falta em especial no período pós-evento, poderia atrasar a saída das aeronaves e comprometer a agenda dos fabricantes em outras demonstrações e traslados de máquinas e equipes. E numa época de mercado hiper aquecido, tal situação não seria a das melhores. Indagada, a Força Aérea Brasileira, por meio do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), informou que não há um parecer final acerca da viabilidade de implementação de procedimentos de aproximação por instrumentos para o Aeroporto Campo de Marte, em São Paulo (SP). Caso identificadas as condições de segurança necessárias à implementação dos procedimentos, elas serão mencionadas no parecer técnico definitivo.
Conversando com Flávio Pires CEO da Abag, ele esclareceu que da emissão do ofício para janeiro de 2025, novas conversas foram feitas tanto por parte da Abag com o Decea (Departamento do Controle Aéreo) como da Pax Aeroportos, administradora do Campo de Marte com o Comaer. De tais conversas foi visto que o Decea havia realmente feito um parecer negativo a instalação de um procedimento RNP-AR (Performance de Navegação Requerida – Autorização Requerida, na sigla em inglês) que é mais complexa, permite a capacidade da aproximação em curva, tudo automatizado, sem a ajuda de pontos de referência em solo, o que possibilita a melhor operação em áreas mais difíceis, pois possibilita o contorno, por exemplo, de montanhas ou outros obstáculos gerando mais segurança e economia operacional. Divinópolis (MG) possui um projeto de instalação de procedimento RNP-AR. Mas se tal procedimento não foi recomendado, a alternativa de um procedimento RNAV – Navegação de Área, mais simples, com procedimentos mais retos, seria de possível instalação. Nas regras do RNAV, por exemplo, a aeronave não precisa ter um sistema a bordo de alerta ao piloto se ela estiver afastada acima dos critérios de precisão lateral do procedimento. Segundo Pires, para esse aeroporto, a diferença não afetará em nada a questão de segurança operacional e ele estima que o desenho do procedimento, seguindo a referência de outros aeroportos que a Abag tem acompanhado, saia até o começo do segundo trimestre de 2025. O Decea informou que desconhece a criação oficial de um estudo específico para a implementação de procedimentos RNAV no Campo de Marte.
Circularam rumores de que os grandes fabricantes como Dassault, Embraer ou até mesmo a Gulfstream e a Bombardier que não participam da Labace há anos, que a condição primária para irem para o Campo de Marte seria a disponibilidade do procedimento por instrumentos naquele aeroporto. Flávio Pires discorda de tal alegação, ele diz que já havia recebido um de acordo dos fabricantes, mesmo sem o IFR. Para a Pax Aeroportos, atual administradora de Marte, a não recomendação também atrapalharia os seus planos de ampliar o uso e a lucratividade do aeroporto paulistano. Desde novembro de 2023, quando começaram as restrições operacionais na pista principal em Congonhas para aeronaves com envergadura menor que 14,5m houve uma queda de cerca de 30% nos movimentos de aeronaves corporativas na pista principal de Congonhas, entre 14 a 15% de 2023 para 2024 houve uma queda de 14 a 15% do movimento da aviação geral nesse aeroporto. Uma boa parte da frota saiu para alternativas em Jundiaí, Sorocaba e o aeroporto executivo São Paulo Catarina. É esse mercado que a Pax teria interesse em conquistar. A empresa já teria comprado e instalado o sistema de Papi que auxilia os pilotos na rampa de aproximação faltando apenas a calibração e verificação feita pelo GEIV- Grupo Especial de Inspeção em Voo da força aérea brasileira, o que poderia acontecer em meados de janeiro dependendo da escala de trabalho deles.
O RNAV deve ser, na visão de Flávio Pires, semelhante ao pensado quando da criação da nova terminal São Paulo arquitetada em 2018 e oficialmente lançada em 20 de maio de 2021. A questão de não colocar um procedimento IFR em Marte vem de longa data, deste os tempos do DAC. Ele fica bem no meio das operações de Congonhas e Guarulhos. Segundo Flávio Pires, a operação IFR em Marte não atrapalharia em nada a vida de Guarulhos. O procedimento para Marte até determinado ponto usaria o RNAV feito para Congonhas. O que canibalizaria um pouco da capacidade de fluxo de voos destinada ao aeroporto maior que é de cerca de 50-54 a cada hora. Marte teria solicitado para si algo como 12 procedimentos por hora. Isso, segundo Pires, não seria tão negativo assim, até porque atualmente, Congonhas trabalha abaixo de sua capacidade, são 4 movimentos a menos desde 1º de janeiro de 2025. Segundo a Anac, desde 1º de Janeiro de 2025 as janelas operacionais para a aviação geral foram reduzidas de 8 para 4 movimentações por hora. Para o diretor da Abag, o RNAV atende de forma suficiente os dois aeroportos. E se pensar num cenário futuro com um retorno de mais movimentações em Congonhas, que de certa forma é desmentida pela Aena em diversas coletivas de imprensa (não haveria mais voos e sim a operação de aeronaves como o Airbus A321 com maior capacidade de transportar passageiros), isso seria para daqui três ou quatro anos, depois de concluídas as reformas, tempo que poderia ser suficiente, na visão de Pires, para até arquitetar a viabilidade de um procedimento RNP-AR. Seria até um caminho natural.
Nas conversas de bastidores, há uma grande pressão por parte das companhias aéreas para que tal procedimento não fosse implementado. Mas consultando diversos operadores, as operações por instrumentos em Marte, Congonhas e Guarulhos poderiam coexistir sem problemas. Nos Estados Unidos são inúmeras cidades que possuem bem mais que três aeroportos próximos e todos funcionando por instrumentos e com um tráfego aéreo bem mais movimentado que o de São Paulo. Daria trabalho em refazer e ajustar todo um circuito, mas não seria impossível e provavelmente funcionaria. Numa conversa informal, um militar que participou da elaboração do mais recente esquema da terminal de São Paulo, nos contou que deveriam ter visto isso há cinco anos atrás, antes de terem finalizado a atual TMA-SP e não agora. Na visão de Pires, a TMA-SP foi feita de modo tímido, para uma necessidade de período de cinco anos e não uma projeção para 50 anos. E sim, ele sabe que toda a estruturação foi feita para atender prioritariamente a aviação comercial, a geral se encaixaria dentro do que é disponível. Questionada a Pax respondeu de forma lacônica que estava trabalhando junto aos órgão competentes as ações necessárias para viabilizar o projeto. Mas curiosamente, as recentes ações da Pax estão mais é afugentando os clientes. Os valores dos contratos de concessões dos hangares basicamente dobraram. Há cinco grandes hangares vagos (o último deles a ficar vago foi o da Tucson, que ocupa uma área total de cerca de 12.000m2, só de hangar são cerca de 3.000m2) e segundo fontes, parece que há pouco interesse em negociá-los, ou pelo menos está sendo bem difícil o contato com o setor comercial da Pax para fazer alguma oferta. O relacionamento com membros da aeronáutica que estudam justamente o planejamento de procedimentos, seja de corredores como aproximações, pelo que foi apurado, tem sido meio distante. Haveria pouca disposição e aberturas para conversas. Mas o potencial de uso da comercial em Marte existe. A Pax também é administradora do aeroporto de Jacarepaguá no Rio de Janeiro e segundo consta, trabalha para deixar ambos aptos para operações por instrumentos. Poderia atrair empresas de linha aérea regular como a Azul Conecta para fazer um serviço ligando os dois aeroportos. A Conecta deixou de oferecer o voos entre Congonhas e Jacarepaguá em 1º de janeiro de 2025. Curioso, pois era uma das operações mais rentáveis da malha da Azul Conecta. Segundo a Azul, os serviços foram suspensos devido às restrições operacionais impostas no aeroporto da capital paulista, por conta das obras de ampliação e melhorias. Agora os Grand Caravan da Azul Conecta ainda continuam operando em Jacarepaguá fazendo voos para Viracopos (SP), Confins (MG) além de fazer um serviço contratado para Maricá (RJ). A Azul disse que oferece ônibus gratuito ligando Viracopos à Congonhas, mas para o passageiro voando entre São Paulo e a Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, essa opção não seja eficiente. Talvez fique mais fácil fazer os voos via aeroporto Santos-Dumont. Um serviço entre Campo de Marte e Jacarepaguá tem seu potencial de mercado, só ficaria um pouco manco em relação a conectividade com o resto da malha da Azul. Seria um produto que atrairia o usuário específico dessa ponte aérea.
Em nota, a Azul declarou que por enquanto não há planos da companhia fazer voos no Campo de Marte. Há uma história de que a Azul pleiteou as janelas de horários da Conecta que tinha em Congonhas para serem usadas em outros de seus serviços. Só que a Conecta tinha as tais reservas de horários para uso na pista auxiliar e não na principal, onde operam os aviões de maior porte da Azul. Segundo a Aena, não há previsão legal para transferência dessas janelas ou reservas de horários da pista auxiliar para a principal. Mesmo que houvesse aumento de capacidade ou perda de algum desses por mau uso, eles teriam que ser distribuídos de acordo com critérios específicos definidos por resolução da Anac. As janelas de horários de operações comerciais na pista auxiliar eram experimentais e foram suprimidos definitivamente nessa temporada pelos órgãos reguladores. Essa questão das janelas de horários escancara também o quanto é forte a briga entre a aviação comercial e a geral que tem perdido espaço nas operações na maior capital do país. Como no aeroporto central só se opera no regime de agendamentos de horário de chegada e saída, fácil é encontrar a situação da perda do horário pré-agendado em função da agenda não regrada do patrão, o cliente que mais usa a aviação corporativa. E tem aqueles que não adianta falar que é preciso cumprir horário. Depois de uma constância de autuações por falhas no cumprimento de agendamento, isso pode significar na restrição de operação naquele aeroporto. Com isso o táxi-aéreo ou a aeronave particular perde muito de sua eficiência de uso. Nessa hora que os olhos podem voltar ao uso do Campo de Marte de melhor forma. Isso resultaria na diminuição de voos alternados para Jundiaí ou Sorocaba em função do mau tempo. Imagine o que é explicar para o passageiro de uma Azul Conecta ou mesmo de qualquer ouro táxi aéreo num hipotético voo entre Jacarepaguá e Marte (sem procedimento IFR) que tentou usar um serviço para encurtar o tempo de viagem, que de uma hora para outra ele terá que pegar um carro para andar 60 ou 90km para chegar definitivamente no seu destino. Não funcionaria. Agora é esperar para ver, com o auxílio dos instrumentos, se essa novela chega ao seu fim.