Falta de mão de obra




Manutenção preventiva
Quem soou o alerta foi o Decio Corrêa, organizador da MRO Brasil, evento direcionado ao segmento da manutenção aeronáutica que acontecerá entre os dias 17 e 18 de setembro. Esse mercado carece de profissionais e o problema que começa a chegar num patamar preocupante não acomete apenas o Brasil, ele é global. Um gerador de fatores foi a pandemia de Covid 19. Com a paralisação especialmente das companhias aéreas, muitos trabalhadores que estavam prestes a se aposentar foram desligados e mesmo depois do final daquela condição de saúde pública, muitos não retornaram ao mercado. Antônio Campos, vice-presidente da Associação Brasileira de Manutenção Aeronáutica, relatou que aqui a frota brasileira é de cerca de 15.500 aeronaves e a quantidade de mecânicos de manutenção chega a 14.500, ou seja, menos de um profissional por aeronave. Ele contou que, segundo dados de consultorias internacionais, até 2027 existirá um déficit de 25% da quantidade de mecânicos necessários no mercado norte-americano. Aqui no Brasil Campos exemplifica que há a questão salarial. Houve uma época, entre 2018 e 2019, que um mecânico inicial ganhava menos que um motoboy. No período pós-pandemia, apesar de registrar uma melhora no padrão salarial e aumento nos exames aplicados pela Anac em 2020, algo em torno de 1.000 ao ano, a taxa de aprovação tem diminuído. No final do ano passado era cerca de 25% de aprovação em relação aos que eram inscritos. De cem alunos que entravam para fazer o curso, apenas metade prestava os exames, e dessa fatia apenas 50% era aprovada. Em 2025 a taxa de aprovação já tinha caído para 18% das inscrições. Outro fator é a própria nova geração, que não vê o ramo com tanto interesse. Novas tecnologias, em especial as plataformas digitais de inteligência artificial ou programadores têm atraído mais quem antes poderia se embrenhar pela carreira de mecânico ou de engenheiro. Há também o desinteresse por um setor com uma pedagogia clássica baseada somente em horas e horas debruçado em livros. Essa pessoa vai preferir a sua especialização por meios digitais mais atrativos e alinhados ao seu cotidiano. Nos Estados Unidos, o FAA não exige a certificação do curso de mecânico, somente a sua habilitação. A pessoa pode estudar em casa usando os livros da própria agência e prestar os exames. Se aprovada, pode galgar um emprego onde conseguirá experiência prática para a habilitação plena. A situação facilita muito para quem deseja entrar nesse ramo, apesar de também abrir janela para uma formação meio manca. No Brasil, o mecânico civil que pretende uma das três habilitações possíveis (célula, grupo moto propulsor e aviônicos) tem que fazer no mínimo dois anos de formação teórica básica e depois mais 18 meses de experiência prática. Ao entrar numa empresa dá para considerar ao menos um ano e meio para chegar à condição profissional plena, fazendo cursos específicos sobre o equipamento em que for trabalhar. E aqui, para ser atraente, esse profissional precisa de ao menos duas especialidades, em geral de célula e grupo moto propulsor, que são os segmentos mais comuns. No cenário militar é possível comprimir o tempo de aprendizado, porque o aluno consegue mesclar a especialização enquanto cursa o ensino médio. Porém, as próprias Forças Armadas não conseguem segurar seus especialistas para os melhores salários de mercados estrangeiros. Por outro lado, a Aeronáutica deixou de fazer a sua lição de casa, que é propagandear e manter o interesse das pessoas.
Existem poucas oportunidades dentro da cadeia de ensino que mostre o que é a aviação. A falta de conhecimento desestimula os mais novos a procurarem se embrenhar por essa carreira. A falta de formação e a alta procura fazem com que a caça pelo mecânico ou engenheiro de aviação esteja frenética. Quando a United assumiu o controle do centro de manutenção da TAP (onde era a antiga Varig), no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, fez uma verdadeira limpa entre as equipes de mecânicos das outras empresas aéreas brasileiras. A conta pode ter chegado entre 500 a 600 mecânicos que mudaram de emprego. Em Campinas, Caio Jordão, proprietário e diretor da Inpaer, que fabrica o ALE Especial Colt 100, também vê a falta de mão de obra especializada em sua linha de produção, principalmente a intermediária, que é a de tecnólogo, a mais atuante no seu chão de fábrica. Ele mantinha um convênio com a Edapa, escola de aviação de Campinas, e usava os cabeças de turmas para fazerem treinamentos profissionais na Inpaer, entretanto, logo após três meses, quando era quebrada a fase inicial de aprendizado, vinha uma companhia aérea e levava embora aquele profissional em bom estado de formação. Alguns até já deixavam os currículos em outras empresas maiores visando uma progressão de carreira, mais benefícios, e o fator de trabalhar para uma empresa mais glamourosa. O Caio teve que parar com a parceria, pois estava perdendo dinheiro e tempo. O dono da Inpaer diz que para cada 15 pessoas que ele coloca dentro da sua empresa, vê apenas uma permanecer por mais tempo. A Latam que tem em seu centro de manutenção em São Carlos (SP) cerca de 2.500 mecânicos mantém programas próprios de formação de profissionais, mesmo sabendo que perderão parte – algo como 40% – desses formados para outras companhias. Apesar dos custos e tempo dispensados, para ela é melhor ficar com alguns do que não ter nenhum. Certas empresas estão seguindo para entidades como o Senai e trazendo mecânicos de outros setores, como o automobilístico, direcionando as suas capacidades para a aeronáutica passando, evidentemente, pelas provas da Anac. Para o executivo, faltam escolas. A maior parte delas está concentrada nos grandes centros. Porém, Caio nos confidencia que o poder público de outros estados tem procurado por ele para fazer parcerias na instalação de instituições formadoras de mecânicos aeronáuticos e tecnólogos focados na aviação. Algo que pode ser uma saída. Antonio Campos salienta que a solução é bem mais complexa e, por isso, existe a pretensão de estimular um debate entre os diversos atuantes para saber por qual caminho essa manutenção pode seguir.



