Ensaio publicado na HiGH 04 – 2007

No ponto de espera da cabeceira da pista, um caso acontecido na época que voava para uma companhia aérea me vem à mente. No sopé da escada de embarque, ao receber os passageiros, um senhor chega perto e comenta que aquele avião, minha Nossa Senhora, era muito pequeno. Para acalmar o relutante cliente, o jeito foi apelar para uma pegadinha. Disse que se ele tivesse muito, mas muito dinheiro, a ponto de poder comprar um jatinho particular, aquele modelo poderia ser uma opção, e mais, seria um tremendo de um jato grande. O semblante, antes carrancudo, tornou-se sereno em questão de segundos, e lá foi ele embarcar tranquilo. O avião em questão era um Embraer ERJ 145, pai do Legacy 600, o tal grande jato executivo, que no final de março chegou à marca de 100 aeronaves entregues. Quem levou o avião histórico para casa foi a ABS Jets, operadora da República Tcheca, que tem mais outros dois desses aviões. Na faixa de US$ 20 a 25 milhões, não há modelo de jato executivo que entregue um espaço tão amplo quanto o Legacy 600, no valor de US$ 24,7 milhões na Tabela 2007.

Em seu interior, 10 a 13 executivos podem trabalhar tranquilamente em até três ambientes. Sua cabine, com 12,94 m de comprimento, é de longe a maior da categoria Super MidSize, onde estão incluídos também o Gulfstream G200, o Hawker 4000 e o Bombardier Challenger 300, só que a tabela para esses modelos está na faixa de US$ 18 a 20 milhões. Um Citation X também entra na briga pelo preço, US$ 20,495 milhões. Na verdade, o tamanho de sua cabine é cerca de 90% que a oferecida pelo Gulfstream G550, de ultralongo alcance e que custa, se bem negociado, cerca de US$ 20 milhões a mais. A Embraer com sua experiência em trabalhar no concorrido mercado de aviões regionais sempre soube detectar nichos de mercados que pudessem ser explorados pelos seus produtos. E com o Legacy 600 não foi diferente. Lançado em 2000, o jato na época custava US$ 19,8 milhões, e se não era o primor em performance, sua altitude de cruzeiro era de 39 mil pés e a velocidade de Mach 0.80, portanto, mais comedido que seus concorrentes, tinha como gancho de vendas, além de sua cabine, a estrutura de construção feita para aguentar o sobe e desce da aviação regional, e por esse mesmo motivo, um projeto concebido para se ganhar dinheiro priorizando a facilidade operacional. Essa facilidade é comprovada até mesmo antes de entrar no bicho. A inspeção externa no Legacy 600 não leva mais que cinco minutos, sem precisar de escadas ou qualquer banquinho para acessar os pontos cruciais para o pré voo. Estão lá o único ponto de abastecimento e boas portas de acesso aos sistemas hidráulicos. Subindo os cinco degraus embutidos na porta de entrada, estamos a bordo do avião da Embraer. À direita, encontra-se a cabine de passageiros, e se a preferência for pela esquerda, está o escritório dos pilotos. Ao contrário do ERJ 135 normal, do qual o Legacy 600 deriva, não existe a porta de serviço do lado oposto da fuselagem. Ela foi suprimida e substituída pela completa galley, equipada com um forno de microondas e um elétrico, proporcionando qualquer tipo de refeição quente. A cafeteira e compartimentos para gelo, copos, talheres, pratos e alimentos também estão por ali. Na dianteira, há um toalette que pode ser usado pela tripulação, sem incomodar os passageiros.

Os dois pilotos vão encontrar um completo painel Honeywell Primus 1000 com cinco telas de 8”x 7” (2 PFD, 2 MFD e 1 tela de EICAS) com capacidade multireversionária. O jato é homologado para vôos RVSM de separação vertical mínima, carrega um TCAS 2000 e sistema EGPWS de alerta de aproximação indevida com o solo. A Embraer trabalha também para equipar o Legacy 600 com o sistema EVS, que permite aos pilotos enxergar à sua frente, em situações críticas de visualização, por meio de câmera de raios infra-vermelho. Outro mimo para os pilotos é o Eletronic Flight Bag classe 2, um mega palmtop que elimina toda a papelada necessária ao voo. Voltando à cabine de passageiros, houve uma melhora visível na iluminação, feita por LED, muito mais fáceis de manter, têm maior durabilidade e não aquecem tanto. Esses LED permitem também adequar a cor, da mais azul para a mais amarela. A Embraer oferece padrões de interiores para 10 a 16 passageiros, sendo que nesse último, é semelhante ao avião regional que o originou, só que com muito mais espaço. Mas vamos nos ater ao avião número 100. Saem as fileiras com o trio de cadeiras no arranjo 2+1 e os bagageiros de teto do ERJ 135, e entram em cena um piso plano reforçado para receber as poltronas executivas que acomodam 13 passageiros. O primeiro ambiente reúne quatro assentos em club seat, no segundo, à esquerda, uma pequena bancada pode abrigar os aparelhos de fax e outros materiais de escritório. Uma mesa fixa, entre quatro outras poltronas, é grande o suficiente para trabalhar à vontade. E no terceiro ambiente, que pode manter-se separado dos outros dois, um sofá-cama e mais duas poltronas. Na sequência, vem o toalette e o acesso ao enorme bagageiro na traseira da aeronave. Em pleno voo você pode trocar de roupa ou pegar alguma coisa que esqueceu na mala.

Está na hora de dar a partida nos dois Rolls-Royce AE3007 A1E de 7.987lbs. Coisa fácil e totalmente automática. Depois de ligar o APU – Auxiliar Power Unit, aciona-se as bombas de combustível, e o depois o FADEC, Sistema de Gerenciamento Digital dos Motores, faz o resto. Mas como o FADEC não é integrado ao FMS – Flight Management System, é preciso selecionar manualmente os padrões de empuxo para a decolagem, normal em sua totalidade ou reduzido. Em cinco minutos o avião está pronto para decolar. Última checada no painel Honeywell Primus 1000 e está na hora de ver o que esse bicho faz. Numa viagem para Natal (RN), saindo de Congonhas (SP), com oito passageiros a bordo, 1.600 kg de carga paga (passageiros + bagagem) e tanques cheios, o que resulta em um peso de decolagem de 18.128 kg, o Legacy 600 consome cerca de 1.400 m de pista. Para se ter uma ideia do que significa esse peso, leve em consideração 80 kg por passageiro. O Legacy 600 tem quatro modos de controle de empuxo: para decolagem, máximo contínuo, ascensão e voo de cruzeiro. Para decolar é só selecionar T/O no FADEC e, enquanto avançamos as manetes até o batente, o sistema gerencia o regime de potência máximo para a decolagem. O avião roda a 116 nós, pitch de 14º e vamos em frente. Em 19,5 minutos é possível alcançar os 41 mil pés, seu nível máximo de cruzeiro, uma boa melhora em relação aos 39 mil pés da versão de lançamento. Entre os passageiros, muito espaço e conforto. Para se manter conectado ao mundo dos negócios, a Embraer disponibilizou um sistema Wi-Fi oferecendo transmissão de dados em alta velocidade, com 128 kbps, para acesso a Internet e e-mail a qualquer hora. Para passar o tempo, há dois aparelhos de DVD a bordo, fora os pequenos monitores que podem ser instalados em cada uma das poltronas. De série, há dois de LCD com 15,1” na parte dianteira e traseira da cabine. E uma coisa que não se pode falar mal de um modelo Embraer são as janelas. Fora as ovais, enormes, usadas pela Gulfstream em seus modelos maiores, não há nada que seja parecido. Ao mesmo tempo que lhe dão a oportunidade de ficar olhando a Região sobrevoada, elas contribuem para aumentar a sensação de espaço. Para os pilotos, o Legacy demonstra-se confiável em voo. Com mais ou menos 2.000 kg abaixo do que a de decolagem, o avião consegue manter curvas fechadas a 39 mil pés sem reclamar, nada de vibrações. Os freios aerodinâmicos possuem uma única posição de acionamento em voo e provocam, quando muito, uma leve tendência de abaixar o nariz do jato. No estol, o stick shaker, sistema de alerta por vibração no manche, avisa que é hora de aliviar o comando, e se insistir, o manche é automaticamente levado à frente baixando em cinco graus o nariz do jato. Para ajudar na questão do estol, o Legacy 600 possui no bordo de ataque da asa, à frente dos ailerons, quatro vortilons, aletas que diminuem a velocidade de perda de sustentação em cerca de 3,5%.

Depois de 03h10m de voo, Natal é alcançada com um consumo total de 2.864 kg de combustível. O custo desse voo, segundo a Embraer, saiu por US$ 5.655,00, levando em conta combustível e manutenção. O mesmo voo poderia ser feito partindo do Campo de Marte (SP), fugindo dos problemas de slots no aeroporto de Congonhas. Só que ali, nas mesmas condições de temperatura e vento, é necessário sair com o tanque de combustível um pouco acima da metade, com 61% de sua capacidade, e a soma do peso de passageiros mais bagagens não pode ser superior a 1.020 kg. No fim das contas, o peso máximo de decolagem só vai decrescer em 8 kg. Já em Brasília (DF), por exemplo, o voo que vai durar 02h30m, permite o peso máximo de decolagem da ordem de 17.501 kg, pois o aeroporto é alto. De Porto Alegre (RS), o peso máximo de decolagem, usando 1.400 m de pista, chega a 19.100 kg, e pode levar a bordo os mesmos 1.600 kg permitidos em São Paulo. O custo dessa perna mais longa é de US$ 6.175,00, consumindo 3.875 kg de combustível. Do aeroporto Santos Dumont (RJ), localizado ao nível do mar, Natal fica 02h52m distante com o Legacy 600. Seriam gastos 2.620 kg de combustível, e nem queira pensar em encher mais de 59% da capacidade de seus tanques de combustível se quiser levar até 1.066 kg a bordo de um total de 17.885 kg. O custo dessa brincadeira gira em torno de US$ 5.160,00. Essa tabelinha serve para ver que a praticidade do Legacy 600 pode ser um fator positivo de vendas. Seu alcance de 3.400mn também é outro destaque. Dá para ir até os Estados Unidos ou Europa com apenas uma escala. Qualquer capital da América Latina é alcançada sem escalas, e já teve um operador brasileiro que foi até a China e Oceania com o Legacy 600. Uma das etapas recorde para esse avião foi Guarulhos – Ilha da Páscoa. Certamente, ele vai lhe tomar mais espaço no hangar, mas é um jato que vai lhe oferecer uma grande cabine pelo dinheiro pedido. Além disso, a Embraer tem mais uma carta na manga, o seu prazo de entrega. Apesar de ter a produção prevista para o ano de 2007 quase que totalmente vendida, ainda dá tempo de reservar o seu.

Ficha Técnica

Legacy 600
Fabricante: Embraer – Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A
Preço básico: US$ 24,7 milhões
Motor: duas Rolls-Royce AE3007A1E
Potência: 7.897lbs de empuxo
Capacidade: 2 a 3 tripulantes + 10 a 16 passageiros
Envergadura: 21,17 m
Comprimento: 26,33 m
Altura: 6,76 m
Peso vazio: 13.675 kg
Peso máximo de decolagem: 22.500 kg
Velocidade de cruzeiro: Mach 0.80
Teto de serviço: 41 mil pés
Alcance: 3.400mn