No intervalo de cinco meses dois 737 Max 8 caíram matando 346 pessoas. Os aviões que eram novos em folha, são parte de um dos maiores sucessos de vendas da aviação comercial do planeta. O Boeing 737 Max é a quarta geração do jato que voou pela primeira vez em 9 de abril de 1967 para então cumprir rotas de curta distância. De lá para cá cerca de 9.800 exemplares foram fabricados e as vendas da família Max composta de quatro versões com capacidade de transportar de 172 a 230 passageiros está na casa das 5.011 unidades. Os Max foram em 2011 a resposta para um mercado que pedia aeronaves mais eficientes. Entre as opções de lançar um projeto totalmente novo e a de repaginar o já conhecido 737, venceu a segunda. O modelo recebeu novos motores CFM LEAP-1B que prometem ser 12% mais econômicos que os CFM 56 da geração anterior, novas asas, melhoraram a aerodinâmica da parte traseira da fuselagem, os trem de pouso são maiores, a suíte de aviônicos é bem mais avançada e o avião ganhou controles de voo Fly-By-Wire. Era a resposta à família A320Neo da Airbus, que também adotara a opção de equipar o avião como novos motores e atualizar uma plataforma que eles já tinham pronto. A primeira empresa receber os Max 8 foi a americana Southwest em 2017, a empresa na época tinha uma encomenda de 161 Max 8 e 30 Max 7 mais curtos. Só que num breve espaço de tempo veio a primeira má notícia. Um 737 Max 8 da Lion Air cumprindo o voo 610 que saíra de Jacarta para Pangkal Pinang caiu por volta de 13 minutos depois de alçar voo. Isso foi em 29 de outubro de 2018. O jato de matrícula PK-LPQ, de número de série 7058, havia sido entregue à companhia aérea em 13 de agosto de 2018 e tinha apenas cerca de 800h de voo.

Inicialmente a notícia envolvia uma empresa que apesar de ter se tornado um grande nome na aviação do sudeste asiático com gigantescas encomendas ( 230 Boeing 737 e 234 Airbus A320), corriqueiramente vinha à tona nas manchetes por algum incidente operacional (14 vezes desde 2002). Mas os primeiros relatórios mostravam que o 737 Max 8 tomara diversas atitudes indevidas e a tripulação perdeu o controle sobre ela até o impacto no mar. O que se sabe até agora é que antes do voo fatal a aeronave acusara seis problemas entre as quais discrepâncias de informação de velocidade e altitude. No dia anterior a equipe de manutenção trocara o sensor de ângulo de ataque pois num voo entre Bali e Jacarta foi acusada a falha de leitura nos instrumentos e a tripulação chegou a usar na fonia o sinal vocal Pan Pan, globalmente usado no estágio imediatamente abaixo de um Mayday. Neste voo, que foi interrompido, o sistema que faz vibrar o manche quando da eminência da perda de sustentação foi ativado diversas vezes. No voo 610 após a aeronave decolar às 06h20 (hora local) e 23h20 GMT (horário de Greenwich) um minuto depois o co-piloto perguntou ao controlador de tráfego aéreo qual era a altitude da aeronave naquele instante pois estavam com leituras discrepantes nos seus instrumentos. No minuto seguinte o sistema de prevenção à perda de sustentação comandou o nariz do avião para baixo por 10 segundos, a tripulação elevou manualmente o nariz. Um novo pedido do co-piloto ao controle às 23h22 questionava qual era a velocidade da aeronave em relação ao solo. Três minutos depois o mesmo sistema de prevenção ao estol fez baixar o nariz da aeronave novamente. Isso aconteceu 20 vezes até que o jato cair no mar às 23h33.

As investigações estão em curso e mal a grave notícia estivesse saindo dos holofotes da mídia geral, outro acidente fatal aconteceu desta vez com uma aeronave da Ethiopian Airlines em 10 de Março. O voo ET302 da estava sendo feito com um Boeing 737 Max 8 de matrícula ET-AVJ que saíra de Adis Abeba para Nairobi, um percurso com duração média de 1h38m. Entretanto logo após a decolagem a tripulação alertou o controle que estavam com problemas e pretendiam voltar ao aeroporto, houve grande variação de velocidade até que o avião depois de 6 minutos chocou-se contra o solo na região da cidade de Bishoftu a cerca de 60km do aeroporto. Ainda não existe uma definição de correlação direta entre os dois acidentes, mas as características iniciais levam a crer que houve uma perda de controle nos primeiros momentos do voo. E isso estava acontecendo com aviões novos. O primeiro exemplar da Ethiopian, de uma encomenda de 30 aeronaves, foi entregue pela Boeing em 2 de julho de 2018 (ET-AVM) com a configuração de 160 assentos. A reação do mercado foi imediata. Se a própria Ethiopian Airlines restringiu os voos com os seus Max 8 às 14h (hora local) do mesmo dia, nos dias seguintes a China, Indonésia, Austrália e mais companhias aéreas como a Gol, Aerolíneas Argentinas, Aeromexico entre outras que usam o 737 Max 8 resolveram deixar os seus aviões no chão. No dia 12, a EASA órgão regulamentador europeu de aviação determinou que nenhum 737 Max poderia voar em espaço aéreo europeu até que as investigações sejam concluídas e os problemas sanados. Depois de uma certa relutância do FAA,  foi decidido no dia 13 que esses jatos também não poderiam voar nos Estados Unidos. O Canadá aderiu a proibição no mesmo dia. Assim toda a frota de 371 aeronaves já entregues fica momentaneamente retida em solo.

Se ainda não saiu nenhum relatório determinando as causas dos acidentes, a Boeing tratou de correr atrás e soltou um comunicado em 11 de março divulgando que estava desenvolvendo desde o acidente da Lion Air, uma atualização e melhorias no software dos sistemas de controle de voo dos 737 Max. Isso inclui atualização no sistema MCAS – Maneuvering Characteristics Augmentation System, parâmetros de controle de voo, telas dos instrumentos, manuais de operação e treinamento de tripulantes. Serão revistos as análises de dados de ângulo de ataque da aeronave, os limites de comando para a compensação de arfagem numa correção de eventual leitura errada do equipamento que detecta o ângulo em que a aeronave esteja voando e a autoridade dos profundores. O fabricante está trabalhando junto com a FAA órgão americano regulamentador de aviação para que tais melhorias sejam aprovadas em semanas e estima-se que essa ação esteja pronta em Abril de 2019. O MCAS foi instalado nos 737 Max para melhorar as características de manobrabilidade e atenuar alguma tendência de elevação de nariz quando a aeronave esteja voando com elevados ângulos de ataque. Segundo a Boeing o sistema não controla a aeronave em voo normal de cruzeiro. Ele serviria para melhorar a segurança em situações anormais ou no limite do envelope operacional. A Boeing também cita que no manual de operações existe o procedimento de segurança em caso de erro de leitura do sensor de ângulo de ataque da aeronave.

O piloto teria a chance de se sobrepor ao controle de voo digital usando os compensadores manual e elétrico e também existe um procedimento de estabilização da aeronave. Os mais venenosos diriam que a Boeing está tendo seus dias de Airbus, que durante um bom tempo, viveu com a fama de que suas aeronaves cheias de automações, dia ou outro ganhavam vida própria. A Boeing que tradicionalmente priorizava o comando humano sobre o computador, estaria entrando para a mesma seara ao colocar mais sistemas digitais de controle de voo em suas aeronaves.  O fato é que para o fabricante americano esse mau negócio é sério. No primeiro dia útil após o acidente com a Ethiopian, suas ações caíram até 12,26% na Bolsa de Valores de Nova York, um prejuízo de cerca de US$ 30 bilhões, mas ao final do dia essa queda teria se estabilizado em 5,36%. Até a Gol sofreu uma rebarba devido ao acidente. Ela possui 7 Boeing 737 Max 8 e na segunda feira, dia 11 de março, suas ações na Bolsa de Valores de São Paulo caíram 2,92%. Para a Gol, é um tremendo prejuízo pois desde o final do ano passado ela vem implantando um pesado programa de internacionalização de seus serviços e o Boeing 737 Max é sua principal ferramenta. Se nos voos ligando o Recife para Santiago do Chile a ser inaugurado em 6 de julho ela pode usar os seus 737-800, para as rotas ligando Brasília, Miami e Orlando, só os Max 8 tem alcance suficiente para fazer o serviço sem escalas. Desde a determinação de deixar em solo os seus novos aviões a Gol tem realocado os seus passageiros para outras companhias, em especial na Delta de quem tem parceria operacional. No dia 11/03 mesmo, era impossível comprar um bilhete para o trecho Brasília-Miami  para o dia 20/03. O site avisava que não havia disponibilidade de passagens. A Gol comunicou que deverá colocar o Boeing 737-800 para fazer, com escalas técnicas, algumas rotas do Max 8, entretanto não divulgou quando, como e onde isso vai acontecer.