O comandante chegado de um voo transatlântico de 12h não vê a hora de retornar ao lar. Tirar o uniforme, descansar o quepe, descalçar os sapatos é o desejo. Depois, tomar um bom e relaxante banho. Nada melhor do que se sentir em casa sentado em frente a um simulador de voo, conferindo todos os procedimentos para manter a atenção na aerovia seguindo para Miami, coisa mínima, 8 horas de pura diversão. Acredite, este não é um caso inverídico, tampouco raro. O mundo do voo virtual é bem mais completo e complexo do que as pessoas podem imaginar. Boa parte desse ambiente foi mostrado em dois dias de evento no espaço onde antes era o Cine Bristol, no Shopping Center 3, em São Paulo, durante a Expo Aviação Virtual. Nas palavras de Saulo Alves, um dos idealizadores, junto com Rafael e Rodrigo Ribeiro e Cassiano Cresta, o mundo da aviação virtual no Brasil é gigantesco. Até 2024 essa comunidade voou 9 milhões de horas em uma das redes virtuais que tem até seu próprio controle aéreo e faz movimentar uma já grande indústria que vai dos desenvolvedores nacionais de periféricos (manches, assentos ou manetes de potência entre outros), de cenários que podem ser inseridos nos programas de simulação de voo, até os softwares e hardwares dos simuladores em si.

Uma parte desse segmento é voltada para a didática em escolas de aviação, porém, outra substancial parcela do público consumidor é o residencial, e o que mais impressiona é que muitos não pensam em voar uma aeronave real devido aos custos para tirar e manter a carteira ou, acredite, alguns não têm interesse pela aviação mais leve. Este é o caso do Flávio Oliveira, dono do canal no Youtube Perna do vento. Com 44 anos de idade ele se acha muito velho para tentar uma carreira na aviação comercial e não acha graça na aviação geral. Como a sua paixão se restringe aos grandes jatos, Flávio não enxerga a necessidade de ter que fazer horas de voo em um monomotor leve para tirar as carteiras e alimentar os seus desejos. No voo virtual ele pode pilotar sem ter as responsabilidades que a aviação real imprime. Em seu escolhido mundo não há as viagens nem o tempo distante da família e o seguir todas as regras ao pé da letra. No meio do movimentado corredor do evento estava Maurício Fernandez, da MFSim, que começou a sua empresa há sete anos no Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP) já com os olhos voltados para quem tem o voo virtual como hobby. No decorrer do tempo, projetaram aparelhos mais complexos e conseguiram as certificações junto à Anac. Eles já têm diversos exemplares sendo usados por escolas de aviação e suas vendas são divididas em 50% para o uso profissional e o de diversão. Do seu catálogo, o entusiasta pode ter um equipamento de entrada por R$ 7.990,00. Será o simulacro do Cessna 172 com painel IFR, compatível também para o 150 e 182 Skylane, com toda a árvore elétrica para o comando de flape, chave máster, bateria, torre de manetes, manche, rádio e transponder. Um modelo dedicado às escolas custa a partir de R$ 60.000,00 por um equipamento fixo, se equipado com sistema de movimento, a tabela começa em R$ 90.000,00 com quatro pernas.

Um simulador mais complexo, do Beech King Air, custa a partir de R$ 170.000,00 e é homologado pela Anac. Logo ao lado a Pro Racing, catarinense de Urussanga, teve uma história semelhante, nascendo com foco no automobilismo por gosto do proprietário Rodrigo Baronio, que participava de campeonatos de carros e percebia que as reações do equipamento que ele utilizava na época não entregavam mais o que ele necessitava para fazer seus treinos. Começou projetando um pedal com célula de carga para melhorar a sensação de peso e movimento, o que interessou outros competidores que tinham o mesmo problema. Das primeiras vendas feitas a preço de custo a coisa cresceu, fazendo surgir a Direct Simuladores, posteriormente rebatizada como Pro Racing, já com equipamentos mais completos incluindo a estrutura integral de cockpit de um carro de competição. Esse equipamento com quatro atuadores em suas extremidades e curso de 200mm foi transformado em simulador de voo. O modelo apresentado na exposição tinha um joystick e conjunto de manetes laterais e se possuía movimento, não apresentava pedais. Os comandos destes eram feitos torcendo o manche para os lados. Segundo a Pro Racing, a diferença entre o aparelho voltado para o automobilismo e o da aviação é que o segundo, mesmo considerando modelos muito rápidos, como o acrobático Extra 330, precisa ter movimentos mais suaves. O carro na simulação de imperfeições de piso ou zebras de circuitos tem reações mais bruscas. Estão estudando a colocação de uma quinta perna para melhorar as sensações de rolagem, cabragem e picada, como também a de manche central e pedais, configurando o equipamento com estrutura de cabine completa. Do jeito mostrado na feira, o simulador sai por R$ 79.000,00. Entre uma conversa e outra, descobrimos que o próprio diretor do Center 3, Dani Glikmanas, é entusiasta do voo virtual. Piloto com as carteiras tiradas no Aeroclube de São Paulo chegou até a fazer multimotor, porém como tantos, a vida o levou para a outro ramo profissional. Ficaram para trás as renovações de exame médico, os recheques, permanecendo mesmo a alternativa de voar virtualmente. Atualmente está montando em casa a estrutura da cabine de um Airbus. Das horas passadas em seu ambiente lúdico, Dani trouxe para seu cotidiano a disciplina das listas de conferência. Ele também nos contou que já usa a inteligência artificial Say Intentions, que faz o papel de todo o meio ambiente que existe no voo. Vai desde a conversa com o controle aéreo, o pessoal de solo do aeroporto até o restante da tripulação de cabine.

Para alguns essa imersão pode parecer desesperadora (não custa caro, cerca de US$ 15,83 por mês o pacote premium) por conta da imagem de isolamento social que pode trazer. Entretanto, essa inteligência artificial permite que você acompanhe e faça interação via aplicativo de celular, mesmo não estando na mesma sala (o que não é possível de fazer em comunidades da aviação virtual, sob pena de ser desconectado e ficar de castigo por alguns períodos). Você pode sair do simulador durante o voo que seguiria de São Paulo para Estocolmo para beber com os amigos, deixando o equipamento como num piloto automático. Se for preciso o sistema pode lhe acionar para fazer alguma coisa. Você verá que não é uma cena muito diferente ao que costumeiramente se vê hoje em bares, restaurantes ou salas de casa de família, com cada um fixado nos seus celulares. Para a escola de aviação pode ser uma ferramenta de trabalho extra ao integrar o aluno de forma mais segura em terminais de tráfego muito intenso e com a geração de atitudes e trejeitos de controle diferentes das feitas com os instrutores de carne e osso ao seu lado. Olhando para esse mundo, é bem capaz de a organização do evento ter que se preparar para os próximos encontros. A estimativa agora é que a Expo Aviação Virtual se torne a terceira maior do mundo, depois dos eventos nos Estados Unidos e na Holanda. Essa é a realidade que eles terão que gerenciar.