Lá pelos anos de 1960, a Cessna pediu aos seus engenheiros um novo avião leve que pudesse substituir o consagrado 172 Skyhawk. Eles, então, formularam um modelo de quatro lugares mais refinado e de performance superior. Capricharam na aerodinâmica. Para melhorar a visão do piloto, especialmente em curvas, usaram da técnica de colocar os assentos dianteiros mais à frente das asas e ainda instalaram um para-brisas bem grande e com desenho inclinado. De motor escolheram um Lycoming O-320-E2D com seis cilindros e 150hp. Só que o então modelo 341, que se tornaria o Cessna 177 Cardinal, tinha pouco fôlego e, ainda por cima, pela questão dos assentos muito à frente, o centro de gravidade ficava muito adiantado. Para solucionar o problema, a Cessna então trocou a motorização, colocando um Lycoming O-360-A1F6D de quatro cilindros, mais leve, e que entregava 180hp. Outra medida foi usar um estabilator no lugar de um estabilizador com os elementos móveis de profundor separados, a fim de que houvesse maior autoridade de comando, principalmente em baixas velocidades. Até colocaram slats próximos à junção com a fuselagem para garantir maior eficiência. Todavia, o conjunto fez com que o avião reagisse de uma forma que os pilotos do 172 não estavam preparados. Havia uma tendência da indução de comandos excessivos de arfagem, muitas vezes no arredondamento durante o pouso, e lá vinha catrapo.

O 177 não era tão manso quanto o 172 ou como outros Cessna. O Cardinal também foi projetado com uma asa de fluxo laminar na busca por uma performance mais alta. De projeto cantilever, dispensando o uso de montantes, semelhante ao usado no 210, essas asas com perfil Naca 65A015 davam um charme extra ao monomotor. Porém, se era obtido maior performance pura, isso exigia mais finesse das habilidades do piloto. Sendo assim, no trabalho de tornar o 177 mais atrativo ao proprietário do 172 Skyhawk, que usa uma asa com perfil Naca 2412, bem mais mansa, foi feita outra modificação aerodinâmica, que acabou gerando o 177B, adaptando o perfil Naca 2415, especificamente na parte do bordo de ataque. Embora a nova asa com 16,2m2 de área tivesse eliminado os benefícios do fluxo laminar do desenho original, foi visto uma melhor performance em altitudes de voo mais altas e a melhora no comportamento em estóis e nas situações com ângulo de ataque mais acentuados, como numa subida. Só que tantas modificações e os estigmas iniciais de seu voo determinaram que ele nunca se tornasse o substituto do 172 que, por sinal, viraria a aeronave mais produzida da história, com mais de 45.000 unidades. O Cardinal recebeu ainda a versão com trem de pouso retrátil, o 177RG nasceu em 1970 e ainda levava o motor Lycoming IO-360 de 200hp. A produção do Cardinal foi encerrada em 1978 depois de serem fabricadas 4.295 unidades.

Ele não é tão raro assim, mas existe uma comunidade de admiradores muito forte mundo afora, todos atraídos pelas suas formas fluidas de dar inveja aos modernos projetos feitos em fibra de carbono. Para entrar o Cardinal oferece duas enormes portas (que carecem de atenção se deixadas abertas, pois podem sofrer com alguma lufada de vento mais forte), o que facilita o acesso à cabine até para os ocupantes dos bancos traseiros. O espaço interno é espetacular, tanto na altura dos ombros como no que sobra acima das cabeças ou pernas. A unidade desta matéria, ano 1973, está com um bom couro forrando os assentos. Há alguns detalhes pitorescos, como o pequeno quebra-vento com abertura via manivela automotiva. Só é recomendável deixá-la fechada em voo, pois gera muito arrasto. O painel é típico Cessna, com tudo muito à mão. Esse exemplar ainda tem um degrau no lado direito que em modelos mais recentes foi abolido. Sua altura, não tão elevada, também ajuda na visão para fora. No painel foi colocado um Garmin GNS 430W e um EDM 730 para monitoramento de motor. Por acaso o proprietário não quis instalar um piloto automático, pois prefere sempre voar a máquina na mão. Consultando a Cavok Avionics, daria para modernizar ainda mais esse painel com cerca de US$ 70.000,00 instalando o piloto automático, o sistema Garmin G3X com um GTN750. Esse avião também já passou pela inspeção – sem acusar problemas – na estrutura que une as asas, algo requerido pelo fabricante para todos os modelos cantilever após o caso de um 210 que há alguns anos fechou as asas.

Com Lycoming acordado, no taxiamento é visto uma boa atuação dos pedais e freio. Alinhado na cabeceira 04 do condomínio Vale Eldorado, manete à frente, flapes a 10º, o bicho é solto para seguir rapidamente até começar a querer sair do chão com 75-80mph e manter uma razão de subida de 400pés/min com 90mph consumindo algo como 12gal/h. Limpando o avião e mantendo 100mph deu para manter uma subida de 450-500pés/min. Buscando mais desempenho seria possível chegar em 600pés/min. Nivelando o avião aos 4.000pés, com o motor a 2.300rpm e 23” de fluxo, com 75% de potência deu para conseguir 125mph de velocidade de cruzeiro consumindo 7,8gal/h. É um tanto mais lento que a versão RG, que chega aos 145mph. Caprichando e trazendo o avião para voar a 115-118mph o consumo decresce para algo como 6,8gal/h. É bom lembrar que esse exemplar está com um conjunto de hélice tripá. No manual os números consideram um conjunto bipá de 76”. Nessa configuração, pelos números de fábrica, voando a 5.000pés, mantendo 2.300rpm e 23” de fluxo, com 73% de motor, dá para atingir 138mph com um consumo de 9,7gal/h resultando numa autonomia que pode chegar a 5h (695nm) se o avião estiver com tanque padrão de 50gal. Com tanque grande de 61gal ele conseguiria voar por 6,2h (850nm). O pé e mão do 177B Cardinal se mostra um pouco pesado de manche, mas não é nada demais. E, realmente, a visibilidade para fora é muito boa.

O plexiglass do para-brisas tem em um certo ponto, no meio e próximo à sua base, alguma distorção, mas é coisa mínima. Fazendo uma série de curvas ele se comportou de forma muito neutra. A atmosfera não estava muito turbulenta para ver se esse Cessna de estabilator samba de traseira como os Piper que usam a mesma engenharia. Na hora de estolar o Cardinal foi visto que configurando o avião com ou sem flapes ou motor, a faixa da perda de sustentação ficou entre 55-60mph, sempre sendo muito neutro no estol, sem quedas de asa para algum lado. Botando em atitude de pré-estol, a atuação do estabilator sempre foi muito boa, viva, como também foi a de pedais. E capando o motor, a melhor razão de planeio (-500pés/min) foi conseguida com 85mph. Ele não é tijolinho, porém demanda uma final mais quente que o 172 para o pouso. Foi notável o efeito de freio que a hélice tripá provoca ao reduzir o motor. Ou seja, é um avião que é recomendável um bom planejamento nas aproximações que podem ser feitas mantendo 85mph na final. Com um certo costume esse número pode baixar para 80mph ou até 75mph, especialmente se aplicar todo flape embaixo (30º). Todavia, é sempre bom lembrar que esse avião não é um 172 Skyhawk de comportamento muito mais manso. Ele é um avião que merece uma atenção em operações com pistas curtas. Três a bordo no máximo pode ser a regra a ser seguida sempre, especialmente se for um dia quente, precisar de tanque cheio e a pista tiver algo em torno de 800m. O avião da matéria tem 3.500h totais, sendo que de motor ele está com 1.100h (TBO de 2.000h) e a base de negociação parte de R$ 800.000,00. Pelo estado que ele está, é pechincha. Esse Cessna 177B Cardinal, definitivamente, não é O Belo Antônio, como no filme com o Mastroianni, que era bonito, mas não funcionava.

Ficha técnica

Cessna 177B Cardinal

Fabricante: Cessna Aircraft Company

Motor: 01 Lycoming O-360-A1F6D de 180hp

Capacidade: 1 piloto + 3 passageiros

Envergadura: 10,85m

Comprimento: 8,32m

Capacidade dos tanques: 50gal

Peso vazio: 682,66kg

Peso máximo de decolagem: 1.133kg

Velocidade de cruzeiro: 149mph a (75% a 10.000pés)

Alcance: 615nm (75% a 10.000pés)