Para o aviador que passa a vida pensando qual máquina pode chamar de sua, olhe para essa joia. Aqui você vai encontrar um Stinson 108-3 que no mercado americano um exemplar com ano de fabricação 1948 é oferecido a US$ 45.000,00. É daqueles números que geram surpresa quando perguntam quanto custa um avião. Tem muito carro de médio para pequeno no Brasil, principalmente os eletrificados, mais caros que isso. Fora que, salvo raras exceções, você não pensaria em continuar com eles até daqui 70 anos. O modelo em especial, se for pegar nas minúcias dos documentos, não é um Stinson 108-3. Ele nasceu como um, contudo, passou a ser um projeto de restauro e modernização feito por Carlos C. Marques no Clube Céu, no Rio de Janeiro (RJ). O motor original Franklin 6A4-165-B3 de 165hp que girava uma hélice de madeira foi substituído por um Lycoming O-360 de 180hp girando uma hélice Hartzell metálica de velocidade constante, basicamente o conjunto encontrado nos Decathlon. Os trabalhos feitos em cima do avião foram acompanhados pela filha engenheira, que o usava como trabalho de graduação. Infelizmente ela adoeceu e faleceu no meio do processo e, meio que na tristeza, o avião foi deixado de lado. Posteriormente vendido, foi finalizado pelo novo proprietário. Portanto, no papel, esse avião é um CC-01 produzido em 2004, registrado como Experimental na Anac e com 352h de motor depois da revisão geral. Mas de um modo geral é um Stinson 108-3 Station Wagon. Assim está escrito na lateral do capô. O próprio nome já é uma discussão de hangar ou de boteco. Tem gente que chama o 108 de Voyager, tem gente que chama de Station Wagon. A diferença na fábrica entre um e outro é que o Station Wagon recebeu painéis de madeira no acabamento das paredes internas, na área do banco traseiro, e ganhou também piso em madeira reforçada, afinal, seria correspondente aos automóveis Station Wagon sedãs com a traseira maior para levar coisas. Só que no CC-01 essa regra não foi lá muito respeitada. Ainda por cima, a Stinson vinha usando a nomenclatura Voyager desde o modelo 105 de dois lugares. Beba outras dez para continuar essa conversa. A diferença mais visível entre os Stinson 108 é a cauda. Nas variantes original, -1 e -2, a deriva vertical é pequena, nas versões -3 e a -4, que teve apenas o protótipo, a cauda é grande. O 108-3 também se difere por ter compensador de leme e porta de bagageiro no lado direito da fuselagem. Do Stinson 108-3 foram feitas 1.759 unidades. O 108 inclusive foi comercializado pela Piper quando esta comprou a Stinson, cerca de 200 unidades foram vendidas.

De característica de voo, segundo o Hernani Dippólito, que voou outros Stinson, como o Reliant, o L-5 e o 108, o CC-01 está muito dentro do que foi o projeto original em termos de peso e balanceamento, mais leve bem dizendo, e com uma performance melhor. Para ele a nova motorização transformou o avião num real quatro lugares quando abastecido com meio tanque e sem nada no bagageiro com capacidade de 45kg. Com meio tanque, ou seja, 95l, gastando cerca de 40l/h e numa velocidade de cruzeiro em 100mph, aos 8.000pés dá para fazer etapas de 2h de voo mantendo uma reserva. Não é um avião de performance, não é essa a ideia dele. Com tanque cheio chega a voar 4h30min. O Hernani trasladou o PT-ZCC de Campo Largo (PR) para Americana (SP) com três a bordo e tanque cheio. O pequeno receio de fazer isso saindo de uma pista de 900m, gramada e elevada a 3.140pés se dissipou na corrida de decolagem, o avião saiu bem seguro. No dia da matéria, com três a bordo somando 253kg, três quartos de tanque, cerca de 140l, zero bagageiro, 28ºc de temperatura, 1019hPa e vento calmo, freios soltos e aplicando o motor de forma mais leve e contínua até chegar nos 2.700rpm esperando ter o bom fluxo de ar para levantar a cauda, o Stinson 108-3 foi ganhando velocidade ladeira abaixo da cabeceira 30 da pista de Americana sem dar trabalho de pedal. Com 70mph já está voando. Atingindo 300pés é tirado o flape e a redução de motor começa apenas aos 500pés calibrando para 25” e hélice a 2.500rpm.

Nivelado aos 5.000pés, com o motor com 23”e 2.400rpm, voando a 90mph, o ZCC está bebendo 8,5gal/h. Mesmo com uma atmosfera cheia de térmicas, o avião mostra como ele é tremendamente estável dinamicamente. Tirando as mãos do comando, nada de derivar para algum lugar e, incitando uma curva, ele volta para a atitude que estava muito rapidamente. Voando dá para perceber que o passeio do comando de compensador de profundor é longo. Tirar ou colocar motor, passar de uma fase do voo em subida para o reto horizontal ou vice versa, é necessário trabalhar bem o compensador, porém, se a pessoa deixá-lo em neutro, poderá fazer todas as compensações usando apenas o peso da mão. Tem avião, em especial aqueles que trocaram o motor para ganhar potência, mas que acabaram pecando em ganho excessivo de peso, que nem sempre isso é possível de ser feito corretamente. O compensador de leme só é usado mesmo em navegações prolongadas, para aliviar o eventual trabalho de pedal que pode cansar depois de longos períodos. Puxando o nariz para um ângulo de ataque bem pronunciado deu para perceber como são ativos os ailerons, muito graças aos slots no bordo de ataque bem na área à sua frente, melhorando o fluxo de ar nessas condições. Mas o Stinson também tem pedais que atuam muito bem no pré-estol, dando a crer quanto seguro é esse avião em baixas velocidades como no circuito de pouso. Fazendo com que ele perca a sustentação, nada de queda de asas, ele é muito manso, se não fizer exageros no comando, ele basicamente fica com o nariz em cima e vem descendo estolado. Numa coordenação o Hernani chega até a lembrar o que é feito no NA T-6, porque se der pouco ou muito pedal, o avião por ser muito estável lateralmente, a coisa não sai assim tão boa, ele estranha. Essa mesma característica é fator positivo se a pessoa errar no giro da perna base para a final no pouso. Se der muito pedal para apertar a curva a alinhar a rampa final, o avião vai reclamar, meio que torce e a pessoa vai entender que está fazendo caca evitando uma situação que pode ser perigosa. O pouso, assim como a decolagem do Stinson, segundo o Hernani é muito tranquilo, não é um avião que tem um limite de vento de través alto, mesmo tendo uma cauda grande. Ela vai servir para a estabilidade, mas a parte móvel é pequena. Certa vez, decolando da Fazenda Bonanza, perto de Sorocaba (SP), com um vento de través forte devido a uma frente que estava chegando, o avião saiu bem, mesmo precisando usar espertamente os freios para manter o bicho alinhado. Esse Stinson pousa com qualquer configuração de flape, mas o indicado é chegar com dois dentes, 80mph na final e cruzando a cabeceira com 75mph. A configuração é a melhor em caso de arremetida. Com flape totalmente embaixo é criado muito arrasto, então o avião no pouso se chega direito, ao começar a fazer o arredondamento, a tendência é ter uma freada mais incisiva, e se estiver um pouco alto é capaz de dar uma pequena placada na pista. Entretanto, com maior costume, a pessoa vai entender fácil tal característica e acabar pousando bem, sem muito mistério. Arremeter com flape todo baixo também requer um pouco mais de trabalho, gerenciando na ponta dos dedos a subida, até ele firmar a performance. No geral, nas aproximações para o pouso, o Stinson 108 é um exemplo que ajustado o motor, ele vem numa progressão boa de perda de velocidade. Esse clássico é a segurança não só em termos dinâmicos, mas em termos de que a bordo dele dá para realizar o sonho de um voo tranquilo.

 

Ficha técnica

Stinson 108-3 Station Wagon
Fabricante: Stinson Aircraft / Carlos C. Marques
Motor: 01 Lycoming O-360 de 180hp
Capacidade: 1 piloto + 3 passageiros
Envergadura: 10,36m
Comprimento: 7,5m
Peso máximo de decolagem: 1.090kg
Capacidade dos tanques: 190l
Velocidade máxima: 142mph
Velocidade de cruzeiro: 110mph
Alcance: 450nm