Aerotec A-132A Tangará

Um rasante na história

O projeto bem que poderia ser continuado, pois voar nele faz bem

Ficar à beira da pista do aeroporto de São José dos Campos (SP) é mais do que poder ver os jatos da Boeing, ops, Embraer que são construídos ali. É a possibilidade de apreciar alguns modelos que fizeram a história da indústria aeronáutica brasileira, seja por se tratarem de frutos de algumas das mentes que os formataram, seja por construírem capítulos importantes de toda essa narrativa. Vez ou outra tem algum avião feito pela família Kovács indo decolar. Muito provavelmente algum que foi revitalizado por um ex- engenheiro da empresa mãe estará saindo para o seu voo inaugural. Um, recentemente, foi  resgatado de uma quase aniquilação. O A-132 Tangará foi o último suspiro da Aerotec, uma pequena fábrica que funcionava onde é hoje uma transportadora no bairro ao lado de onde está o complexo da Embraer. A Aerotec ficou conhecida pelo A-122 Uirapuru, um avião de treinamento básico usado pela Força Aérea Brasileira, onde recebeu a designação T-23, e por alguns aeroclubes, tendo sido projetado pelos engenheiros Carlos Gonçalves e José Carlos Reis. O desenho era baseado no Avibras Falcão e chegou a ser exportado para Bolívia e Paraguai. Foram feitos 150 exemplares. No final da década de 1970 surgiu a necessidade de substituição desses que eram as aeronaves de treinamento básico na Força Aérea Brasileira. No pacote, o Aerotec T-17, que seria o Tangará, substituiria o Aerotec T-23 Uirapuru, e o Embraer T-27 Tucano substituiria o Neiva T-25 Universal e o Cessna T-37. Havia a conversa para a encomenda de 100 Tangará.

Se no projeto original a versão A nasceu com motor de 200hp, foi feita a proposta de o Tangará B usar o estoque da FAB de quase 130 motores Lycoming O-320-B2B de 160hp que eles tinham do Uirapuru. Inclusive o Tangará voou ao longo de seis meses de testes com o motor menor, para então ter o seu coração trocado por um de 200hp, como era previsto. Entretanto, as diretrizes da corporação mudaram repentinamente fazendo, na verdade, com que os T-25 fossem mantidos, tirando os T-23 da atividade enquanto que os T-27 substituíram os T-37. Foi perdido o interesse por um treinador básico com motor de menor potência. Os cadetes começariam a voar com um equipamento mais pesado de 300hp. Uma das histórias dizia que a FAB não queria mais aeronaves de instrução com assentos lado a lado por conta da chegada do Tucano. Houve até um início de negociação com o DAC – Departamento de Aviação Civil – para a compra de dez Tangará a serem distribuídos entre os aeroclubes, mas isso também não foi concretizado. A situação, basicamente, foi a que iniciou o desaparecimento da Aerotec em dezembro de 1985, para a profunda tristeza do engenheiro Carlos Gonçalves. Inclusive, para tentar dar uma sobrevida aos seus planos, com alguns investidores de Piracicaba (SP) ele até fez uma versão do Tangará com assentos em tandem para atender as novas requisições da FAB. O A-135 Guará chegou a voar (existia até pouco tempo atrás em São José dos Campos, quando foi canibalizado para pagar dívidas do seu então dono e a carcaça foi perdida com o passar dos anos), mas com a morte do Carlos Gonçalves, foi outro projeto não levado adiante.

Do programa de desenvolvimento foram produzidas duas unidades do Tangará, uma para ensaios estruturais estáticos e outro para ensaios em voo. Depois que a FAB desistira do Tangará, o protótipo que tinha basicamente cumprido com todas as fases de certificação foi repassado já sem hélice, motor e instrumentos para o ITA a fim de servir como base de instrução dos alunos dos cursos de engenharia para entenderem como era uma célula aeronáutica. E foi assim por cerca de uma década até que a FAB doou ao ITA um T-27 cuja estrutura havia sido condenada e que ficaria no lugar do Tangará. Para não virar sucata, foi conseguido que a carcaça fosse doada para a família Gonçalves em 2005. Ela então foi levada ao aeroclube de São José dos Campos para ser feito todo um trabalho de restauro pelas mãos do Paulo Henrique Gonçalves, filho do Carlos. Como no processo o Tangará foi enquadrado na categoria experimental, Paulo viu uma oportunidade de usar os elementos de um Socata ST-10 Diplomate que estava à venda em Sorocaba. Dele foram aproveitados a hélice, motor e instrumentos. Ao mesmo tempo, o Paulo Gonçalves começou a fazer alguns refinamentos no avião. O canopy, que era de correr, foi trocado por uma peça mais baixa e aerodinâmica, com portas asas gaivota de abertura para cima. A peça foi modificada não só por conta da melhoria aerodinâmica, mas também porque em manobras acrobáticas a peça original estava estufando e saindo dos trilhos. Carenagens de rodas e um capô de motor mais aerodinâmico também foram adotados. O avião ficou com jeito mais civil do que militar. O A-132 Tangará A é um avião monoplano, asa baixa, com estrutura semi-monocoque feita em metal, e biplace. Do projeto do Uirapuru não se aproveitou nada. São totalmente diferentes. O perfil da asa do Tangará é outro, um Naca 2415. Paulo nos disse que o Tangará é muito mais assentado que o Uirapuru. Este teve uma gestação trágica, um dos pilotos de teste morreu numa sessão de parafuso. O avião tendia a não sair da manobra muito por conta da sombra aerodinâmica do canopy. Para solucionar isto, foi colocada uma quilha ventral. O modelo também tinha a fama de ser meio arisco.

No Tangará o engenheiro Carlos Gonçalves focou na solução dessas características. Apesar de não ter completado os testes de parafuso – existem alguns relatos que num dos testes o avião chegou a achatar o parafuso, mas como o piloto estava tão estressado com a iminência vindo do Uirapuru de dar alguma coisa errada, manteve apertado o botão do rádio no manche e com isso não ouvia os alertas dos pilotos na outra aeronave, que o seguia no teste para que fosse ativado o paraquedas de cauda a fim de aniquilar a situação em que o avião estava. O aviso só foi ouvido quando o piloto tirou a mão do manche para abrir o canopy para saltar de paraquedas. Sendo alertado, então disparou o paraquedas de cauda e retomou o controle do Tangará. Num relatório de testes está escrito que foram realizados três voos com CG adiantado em 17,2%, com potência reduzida, flapes recolhidos e início das manobras a 12.000 pés e com as asas niveladas. Com parafusos de 1, 2 e 3 voltas tanto para direita como para a esquerda, as manobras apresentaram boas características de entrada e saída com recuperação imediata. Nos parafusos de três voltas pela esquerda a recuperação se deu em meia volta após o comando. O Paulo Gonçalves nos contou que também refez a incidência do estabilizador horizontal, que estava errada e fazia o avião voar embarrigado. Isto deve melhorar ainda mais a boa capacidade do avião em fazer parafusos sem problemas. Evidentemente é inconclusivo, pois nos dias de hoje um teste desse tipo demandaria uma série de providências, como a instalação do paraquedas de cauda, e o gasto de uma quantia de dinheiro que não viria ao caso. De qualquer forma, eis que o AerotecA-132 Tangará está na nossa frente.

Com uma pintura igual a que seria usada na FAB, só trocando o laranja original pelo azul marinho, o Tangará não se parece com nada que existe no mercado. Impressiona por conta de toda a história, mas também porque aparenta um projeto mais que belo. No pátio da SB Aviation em Americana (SP), quando foi levado para fazer as fotos em voo, não teve um que não quisesse tirar uma foto ao lado dele. E deu para perceber o quanto é grande, apesar de ser um biplace. Ao lado, um Cessna C152 parece raquítico. O Tangará é um baixinho parrudo, sua robustez indica uma capacidade de aguentar os trancos de cadetes militares que têm de provar que em apenas 13 horas podem se tornar aviadores. As suspensões são do mesmo estilo dos Mooney, com enormes anéis de borracha, o que no taxiamento dá uma certa sensação de se dirigir um kart ou um Mini Cooper. Para entrar e sair não é tão difícil, apesar de faltar um estribo para subir na asa. E é preciso ter a consciência de que tem as abas do canopy acima da sua cabeça. Mas o espaço interno é grande e há um bagageiro atrás dos bancos com capacidade de 30kg. O ajuste dos assentos é fácil, os cintos de oitenta e dois pontos feitos para a acrobacia nem tanto. A visibilidade para fora é ótima. No painel, um conjunto para voos visuais sem muitas surpresas, além do fato de alguns itens terem o logotipo da Socata impresso. Há um conjunto de manetes extra para quem voa na esquerda. Num dia de muito calor, 28ºC, com dois a bordo e tanques relativamente com a capacidade de 150l cheios, o Tangará até que não gastou muita pista partindo da cabeceira 15 do aeroporto de São José dos Campos. Com 65nós ele já mal ficava no chão e cinco nós mais rápido deu para tirá-lo do asfalto. Com 80nós, motor a 2.500rpm e 25”de fluxo de combustível, flape 0 ele subiu mantendo uma razão entre 750 a 1.000pés/min numa atmosfera meio turbulenta. Nivelando a 5.000pés veio a hora de ver como ele se comportava. Bem estável, essa máquina mesmo no bate-bate do dia quente, mostra que poderia ser uma boa plataforma para instrução IFR.

Segundo Paulo, com tanque cheio é possível ter uma autonomia de 200nm com reservas de 45 minutos de voo, sempre num regime de 75% de potência voando a cerca de 120nós de GS e consumindo 38l/h (em manobras acrobáticas ele chega a consumir 50l/h). Se quer saber, não dá para ficar comparando com um RV-7, que tem motor de 180 ou 200hp e também leva dois a bordo. O comportamentos é muito bom. Não há aspereza nos comandos e principalmente os ailerons mordem com boa vontade. O manche bem que poderia ser um pouco mais baixo, os pedais poderiam estar mais altos, mas isso são coisas de um refinamento que só uma produção em série proporcionaria. No estóis a perda de sustentação aconteceu numa faixa que ia de 64nós sem motor e flape a 45nós com motor e flape na posição de 20º. Não tentamos a manobra com flape em 40º por conta da difícil posição que a barra Johnson fica, muito elevada e para trás. E de qualquer forma, foi sentida a vibração prevendo o estol, e o avião não teve nenhuma tendência em cair de asa. A recuperação era bem simples. Inclusive fizemos alguns estóis em curva (sempre com muito prévio aviso da máquina) e depois de um giro o avião recupera quase que sozinho em um mergulho reto. Por sinal, com uma alta carga alar de 63,79 kg/m2, típico de modelos daquela época, o voo planado se traduz numa velocidade de 80nós e uma razão de descida de 1.000pés/min. O número de 80nós também é a regra para fazer as aproximações. Esse é um avião para vir na final escorado no motor. Era esperado que a baixa altura das pernas do trem de pouso pudesse provocar uma certa flutuação no arredondamento, mas como o avião tem asas curtas ele basicamente assenta por si só após o toque na pista. De certa forma, parece um Piper Cherokee 140. O Tangará se mostrou bem honesto, as acrobacias nele (+6/-4,5g) são puro deleite para os finais da tarde e esse exemplar ainda está com kit para voo invertido. Sim, talvez o CAP-10B dos Panceri seja mais eficiente para uma sessão de cambalhotas, mas aqui a diversão é garantida. Se fosse colocado no mercado, muito provavelmente o A-132 Tangará saísse por no mínimo US$ 300 a 400 mil dólares. Mas esse aqui tem valor inestimável, afinal, a sua história vale muito mais.

Ficha técnica

Aerotec A-132A Tangará

Fabricante: Sociedade Aerotec Ltda

Motor: 1 Lycoming IO-360-C1C3 de 200hp

Capacidade: 1 piloto + 1 passageiro

Envergadura: 9,893m

Comprimento: 7,150m

Altura geral: 2,7m

Peso Vazio: 660kg

Velocidade de cruzeiro: 115nós (75% de potência)

Teto de serviço: 17.000pés

Autonomia: 4h

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